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As narrativas mitológicas no relacionamento com o consumidor

* Por Anderson Passos


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As narrativas mitológicas no relacionamento com o consumidor

O cinema mundial é dominado por grandes produções que valorizam o universo dos super-heróis, as grandes fantasias e realidades alternativas. Entre os dez filmes mais assistidos, três entre os que mais arrecadaram bilheteria são do universo Marvel (a franquia Vingadores), cinco são animações, fantasias ou ficção científica (o primeiro lugar há mais de dez anos é de Avatar, de James Cameron, com uma bilheteria de US$ 2,84 bilhões), um é de ação e aventura (franquia Velozes & Furiosos) e apenas um sobre drama/ romance (Titanic/ 1997).

Diretores renomados criticam a falta de investimentos em filmes de outros gêneros em prol do retorno praticamente garantido desses universos paralelos. A falta de público também é uma questão. Seja pelo avanço do streaming ou o desinteresse por filmes que fujam desses universos consagrados, o cineasta Ridley Scott, por exemplo, culpou a geração Millenials pela bilheteria bem abaixo do esperado, mesmo tendo uma boa repercussão com a crítica e um elenco recheado de atores conhecidos em seu mais recente longa épico, O Último Duelo.

E o que Kubrick, Godard e Bergman diriam sobre este momento do cinema? Compartilho uma reflexão do livro “O capitalismo estético na era da globalização”, de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy. “Na mesma altura, por volta dos anos de 50-60, uma nova geração de cineastas vem contestar, um pouco por todo o lado, o próprio sistema: free cinema em Inglaterra, Cinema Novo no Brasil, cinema contestatário na Europa de Leste, Nouvelle Vague em França, a qual aparece como particularmente emblemática desta vontade de criar fora dos padrões de produção para inventar um cinema mais livre assente em estruturas menos pesadas e dando prioridade ao «autor» e ao seu trabalho de criação na lógica económica do produtor. Uma modernidade modernista e emancipadora.”

Proponho uma reflexão sobre o impacto dessa tendência na propaganda e na comunicação das empresas. Podemos concluir que o consumidor se identifica mais com narrativas mitológicas e menos com os racionais? Estamos voltando a acreditar em mitos e deixando a realidade em segundo plano? Como isso impacta a relação entre marca e cliente?

Interpretar os gostos, anseios e preferências do consumidor sempre fez parte da análise do time de marketing, mas precisamos refletir se o padrão cinematográfico é o mesmo necessário para a comunicação com as empresas. Para conquistá-los devemos adaptar

o storytelling já existente à criação de narrativas mitológicas e superpoderosas para encantar?

De certa forma, já estamos nesse universo ao personificar a marca nos assistentes virtuais. Mais do que um porta-voz, o assistente virtual representa os posicionamentos, levanta as bandeiras que a empresa defende, transmite os valores e aproxima ainda mais a marca do consumidor com a humanização. Com eles é possível ter uma relação mais afetiva e assemelhar-se com uma personalidade própria, mas que é um reflexo da marca.

Priscilla Guerra, psicoterapeuta, doutora em Pediatria e Ciências aplicadas à Saúde pela Unifesp, acredita que essa tendência se explica pela identificação inconsciente do indivíduo com o ser mitológico, o qual, supera obstáculos e alcança objetivos. “Desta forma, a fantasia heroica favorece a elaboração de alguns processos internos, em detrimento, da própria realidade ou do drama, que impõe limites, por vezes, insuperáveis”.

A busca por representatividade e a sinergia com o propósito são mais do que tendências. O estudo 2022 Global Marketing Trends, realizado pela consultoria Deloitte, entrevistou mais de mil executivos globais e 11.500 consumidores de todo o mundo, incluindo 500 brasileiros. A proposta da pesquisa é de contribuir com a construção de conexões para alavancar o crescimento dos negócios tendo o cliente no centro da estratégia. Entre os apontamentos, as empresas com propósito são cada vez mais valorizadas. Do público total, 76% afirmam que são mais propensos a comprar de marcas que se comprometem com questões sociais e desigualdades.

Os participantes também demonstraram estar atentos à diversidade na comunicação e, especialmente, os brasileiros. Em contraste com a média global, os brasileiros com mais de 26 anos consideram-se mais propensos a propagandas que são inclusivas. “Um propósito integrado pode ser especialmente necessário em um mundo onde muitos consumidores ainda enfatizam preço e qualidade ao fazer decisões de compra”, afirma o estudo.

Autenticidade, aceitação e inclusão também são conceitos prioritários para os consumidores segundo a pesquisa “10 Principais Tendências Globais de Consumo 2022” da Euromonitor Internacional. O estudo aponta para pessoas com hábitos de consumo que as valorizem e que compartilhem as mesmas preocupações, especialmente com sustentabilidade e bem-estar.

Seja um discurso mais inspiracional, com um encanto mitológico, ou um mais realista, o que realmente conquista é a autenticidade do posicionamento da marca, a sinceridade

no relacionamento e o comprometimento com as causas que defende. Mais do que um discurso bonito e bem ensaiado, os consumidores estão atentos ao que as empresas estão realizando em todos os campos – do ponto de venda aos influenciadores que apoia.

* Anderson Passos é gerente de Marca e Relacionamento na Vedacit, líder no mercado de impermeabilização. Formado em Comunicação Social na PUC-Campinas (Pontifícia Universidade Católica), com MBA em Marketing com módulo internacional na FGV-Campinas (Fundação Getúlio Vargas) e Babson College em Boston (EUA) e aluno especial de mestrado em Semi-ótica e Rituais de Consumo em Marketing na USP (Universidade de São Paulo). Possui 21 anos de experiência em Comunicação Corporativa, Marketing Institucional, Relacionamento com a Imprensa, Eventos, SAC e Assistência Técnica, com atuação em empresas de grande porte multinacionais e nacionais